Iluminando os Cantos #1 – Definições e um apanhado do ano até aqui

Los Thuthanaka – Los Thuthanaka

“I want your data” repete ela na segunda faixa Demolition para já dar o tom do universo digital e pessimista que cria na obra e que reflete a internet atual e nossa relação com as big techs. Mas apesar do clima aparentemente pesado, sua sonoridade é absolutamente dançante e consegue por vezes, em um equilíbrio delicado, levar sua temática para lados sombriamente divertidos, como em Y.A.A.M e Push me Fuckhead.

A americana Camae Ayewa, que musicalmente atende pelo nome artístico de Moor Mother, é uma das artistas mais importantes e prolíficas da atualidade. Se aventurando principalmente pela poesia falada, hip hop industrial, noise, eletrônica e jazz, há uma potência em sua voz que parece sugar o ouvinte para sua palavra. Por mais que, então, possa ter sido uma surpresa a primeiro momento o anúncio da parceria com Sumac, uma banda de metal, o resultado é uma prova de sua versatilidade e uma vitrine dessa potência.

No meio das ensurdecedoras guitarras, sua voz ainda se sobressai e atraí no álbum que se anuncia desde o título como a trilha para um filme imaginário. Por mais que a suposta trama nunca fique exatamente clara, cada faixa cria uma atmosfera imagética que deixa à imaginação do ouvinte em ligá-las e sobrepor seus temas.Tive em junho o privilégio de presenciar o acontecimento que foi a primeira apresentação de Moor Mother no Brasil, abrindo para a gigante Kim Gordon no cine joia, onde, depois de um início excepcional com Juçara Marçal e Kiko Dinucci, performou sozinha no palco duas músicas de The Film, Scene 4 e a longa Scene 5: Breathing Fire. Mesmo sem nenhuma banda no palco foi uma apresentação de um peso avassalador, de um jeito que quando a atração principal da noite começou logo depois ainda estava desnorteado pela presença de Ayewa.

A britânica Squid sempre foi um pouco difícil de descrever, a começar por sua configuração pouco tradicional de ter o baterista como principal vocalista e passando pela a vastidão de instrumentos que os cinco integrantes exploram, é aquele tipo de sonoridade que se prefere não pensar tanto sobre e apenas colocá-lo na grande caixa do post-punk que é mais fácil. Seus dois primeiros álbuns, Bright Green Field (2021) e O Monolith (2023) se usam dessa esquisitice para criar um universo muito próprio de histórias e obsessões.

Para o terceiro álbum, porém, foram talvez para o território mais estranho até agora: do outro lado do atlântico, os Estados Unidos. Olhando com um olhar estangeiro, fazem um retrato visceral do país que faz lembrar, tomada as devidas proporções, a excursão que diretores de cinema como Paul Verhoeven e David Cronenberg também tiveram por lá. Da história de canibalismo que a faixa de abertura dá como cartão de visitas até a descrição do sol sob as casas de drywall que parece que vão cair a qualquer momento em Blood on the Boulders é uma visão muito particular que apenas uma banda desse tipo poderia entregar.

Provavelmente as vozes mais resilientes da música pop atual, os Sparks, banda comandada pelos irmãos Mael, permanecem incansáveis desde 1971 e chegam com “MAD!” ao seu 26º álbum de estúdio provando que sempre haverá mais pérolas a se descobrir em seu vasto catálogo. Com uma sonoridade que lembra mais o minimalismo de Hippopotamus (2017) em relação aos dois últimos álbuns (2020 e 2023), eles já chegam com uma mensagem muito clara na primeira faixa “Do Things My Own Way”. Talvez um eco de “When Do I Get to Sing ‘My Way’”, música de 1994 que marcou o retorno da banda após um hiato imposto pela a gravadora de seis anos, mas que com certeza continua sendo a palavra de ordem para eles.

Ai que está, talvez, o grande trunfo dos irmão e um dos motivos deles me fascinarem tanto: eles nunca exatamente atingiram um nível gigante de fama e tiveram sim uma grande influência em outros artistas mas quando essa foi sentida já estavam buscando por outros sons, tudo isso porque, entrando na sexta década de atividade, continuam buscando apenas uma coisa: fazer a música que acreditam e muito poucos artistas conseguem isso nessa longevidade mantendo um nível tão alto.


Esta edição da coluna é dedicada a Hermeto Pascoal, um de meus heróis e falecido durante a finalização da edição. Foto minha de um show do Bruxo no Sesc Vila Mariana que aconteceu no dia de seu aniversário em 2024.

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