O Cinechicas exibe na Fau Agora Seremos Felizes (Meet me in St. Louis, Vincente Minnelli, 1944, 110min) dia 17/11/2025. Considere esse texto como uma apresentação e complemento à sessão, informações boas de saber para entender o filme e sua época. Considere também como um convite à sessão e à magia que apenas um filme em verdadeiro technicolor consegue atingir.
“Caberia a Minnelli descobrir que a dança não dá apenas um mundo fluido às imagens, mas que há tantos mundos quanto imagens: ‘cada imagem, dizia Sartre, se envolve com uma atmosfera de mundo’. A pluralidade dos mundos é a primeira descoberta de Minnelli, sua posição astronômica no cinema. Mas, então, como passar de um mundo para outro? Aqui temos a segunda descoberta: a dança já não é apenas movimento de mundo, efração e exploração. Não se trata mais de passar de um mundo real em geral aos mundos oníricos particulares, pois o mundo real já suportaria as passarelas que os mundos dos sonhos parecem nos vedar (…). Cada mundo, cada sonho em Minnelli está fechado sobre si mesmo, encerrando sobre tudo o que contém, inclusive o sonhador”
– Gilles Deleuze, Imagem-Tempo
É muito fácil olhar para Agora Seremos Felizes com os olhos de hoje e ver nele um musical tradicional, o que faz desaparecer a virada de chave que o filme representou no cenário de seu tempo. Era 1944, final da primeira onda de filmes musicais que a bem verdade começou junto com o próprio cinema falado, em 1928, e por toda a década de 30 esse tipo de cinema seguiu o modelo de A Melodia da Broadway de 1929 onde a história se passava em Nova Iorque bem como suas personagens eram dançarinas e cantores dos teatros da Broadway. As músicas, portanto, eram inseridas nos longas sem necessariamente uma relação com a história, já que era o ofício delas dançar e cantar.
Claro que alguns filmes já inseriram a cantoria do jeito como somos atualmente acostumados, a exemplo dos musicais que Ernst Lubitsch realizou ainda no na virada dos anos 30, mas era bem natural para a época da grande depressão, quando o cinema passa a ser a opção de entretenimento das massas, que tentasse se levar a experiência já conhecida do teatro de revista para as telas. A primeira coisa importante de se notar no filme de Minnelli, finalmente, é como ele muda a mentalidade dos musicais, agora as músicas são naturalmente inseridas, avançam a trama e comentam os sentimentos das situações. E o mais importante: não estamos mais em Nova Iorque, agora a ação se passa na cidade não tão grande de St. Louis – Nova Iorque aqui, na verdade, é a grande ameaça que as jovens temem – e não mais acompanhamos cantoras e dançarinas que todos esperam que saibam cantar, mas sim uma família comum do sul americano e mesmo assim eles cantam, nesse sentido é um dos mais generosos dos filmes.
Talvez a grande magia dessa nova fase dos musicais seja justamente essa noção que, dentro do filme, qualquer um pode cantar, não apenas pelo o espetáculo do filme mas também por serem personagens que merecem se expressar para além do que as palavras permitem pois não há nelas a possibilidade de representar a felicidade de Trolley Song nem a conflitante melancolia de Have Yourself a Merry Little Christmas que Judy Garland canta aqui em dois dos números mais marcantes da história do cinema. São essas canções e a forma como são encenadas que permitem a criação desse complexo sonho nostálgico, ao mesmo tempo aconchegante mas também assombrado pelos contraditórios fantasmas americanos. Cada universo que cada imagem carrega está exatamente nesse limbo.
Boa sessão e have yourself a merry little christmas.



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